O Direito Social à Mobilidade
A mobilidade urbana é mais do que um meio de deslocamento: trata-se de um direito fundamental, reconhecido expressamente no artigo 6º da Constituição Federal, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 90/2015. Tal reconhecimento confere à mobilidade o mesmo status de outros direitos sociais, como saúde, educação e trabalho, e impõe aos entes federativos o dever de garantir condições adequadas de deslocamento para todos os cidadãos.
Nesse contexto, a Lei nº 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), representa um marco legal fundamental. Ela estabelece princípios, objetivos e diretrizes que estruturam a ação pública nesse campo. Em especial, o artigo 5º da referida lei define objetivos que, se efetivamente concretizados, podem transformar o transporte coletivo em um verdadeiro motor do desenvolvimento socioeconômico local.
Mobilidade como Princípio Estruturante da Cidade
A acessibilidade universal (art. 5º, I), a equidade no acesso ao transporte público coletivo (III) e a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos modos de transporte (VII) não são apenas preceitos legais — são também instrumentos de inclusão social e dinamização econômica. Populações com baixa renda, por exemplo, dependem majoritariamente do transporte público para acessar empregos, serviços públicos, estabelecimentos comerciais e instituições educacionais.
Diversos estudos demonstram que a ampliação e a qualificação do transporte coletivo elevam a produtividade urbana, reduzem desigualdades e incentivam o comércio local. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), cada R$ 1,00 investido em transporte público pode gerar até R$ 2,50 em crescimento econômico local, em razão da circulação de pessoas e da ativação de cadeias produtivas adjacentes.
Eficiência e Sustentabilidade: Redesenho Urbano Inteligente
O transporte coletivo eficiente, eficaz e efetivo (art. 5º, IV e IX) reduz o tempo de deslocamento, melhora a qualidade de vida e diminui os custos logísticos da cidade. Tal eficiência tem relação direta com a diretriz do art. 6º da PNMU, que prioriza os modos não motorizados e o transporte público coletivo em detrimento do transporte individual motorizado (art. 6º, II).
Ao priorizar corredores exclusivos de ônibus, redes de BRT, metrôs ou VLTs — integrados entre si e ao planejamento urbano — os municípios otimizam suas estruturas físicas, reduzem congestionamentos e reforçam a coesão territorial. Trata-se de uma estratégia fundamental para garantir o desenvolvimento urbano sustentável (art. 5º, II), promover a mitigação dos custos ambientais (art. 6º, IV) e induzir o crescimento ordenado das cidades.
A Governança como Alicerce: Participação e Controle Social
Outro aspecto essencial da PNMU é a previsão de uma gestão democrática e de controle social do planejamento da mobilidade urbana (art. 5º, V). A construção de soluções eficientes passa necessariamente pela escuta das comunidades, trabalhadores do transporte, usuários, operadores e especialistas. Além disso, o uso de dados públicos, transparência tarifária e prestação de contas à população tornam-se componentes-chave de legitimidade e efetividade.
O Projeto de Lei nº 3.278/2021, atualmente em tramitação, reforça essa perspectiva ao propor inovações regulatórias para o setor de transporte público, inclusive com a criação de novos modelos de financiamento e de subsídios que garantam a modicidade tarifária (art. 6º, VIII). Isso é crucial para a sustentabilidade econômica do sistema — elemento essencial para sua universalização.
Mobilidade e Desenvolvimento Econômico Local: Uma Correlação Direta
A relação entre mobilidade urbana e desenvolvimento econômico dos municípios é direta e comprovada. Cidades com sistemas de transporte coletivo bem estruturados apresentam maior dinamismo comercial, crescimento das centralidades urbanas e valorização imobiliária ordenada. Os deslocamentos eficientes viabilizam a plena fruição da cidade: trabalho, educação, saúde, lazer e consumo.
Conforme estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), os municípios que mantêm políticas contínuas de mobilidade apresentam maior arrecadação própria, aumento da formalização de empregos e crescimento do Produto Interno Bruto Municipal (PIBM). A mobilidade, portanto, não é apenas um direito, mas também um instrumento estratégico para o planejamento econômico.
Além disso, o acesso eficiente ao transporte coletivo fortalece o turismo urbano, os pequenos empreendimentos e os polos industriais e de serviços localizados em regiões mais afastadas, desde que interligadas por redes eficazes de deslocamento.
Considerações Finais
Garantir o direito à mobilidade por meio de transporte coletivo acessível, eficiente e sustentável é cumprir o pacto constitucional de justiça social, promover inclusão e impulsionar o desenvolvimento econômico dos municípios. A implementação plena da Política Nacional de Mobilidade Urbana, aliada a uma gestão integrada e participativa, representa um caminho seguro para a construção de cidades mais humanas, produtivas e equitativas.
Assim, os gestores públicos devem compreender que a mobilidade não é um custo, mas sim um investimento estratégico: ao promover o ir e vir, viabiliza-se o viver com dignidade e o crescer com sustentabilidade.